Bloomsyear

Ao lado de Tansan enfrentei a primeira estada em terra estrangeira e todas as angústias dos 21 anos. Sozinhas, na ilha esmeralda. Lembro-me do dia em que ela apareceu com a cabeça raspada em casa, para marcar o novo recomeço; do inverno brutal e de nós duas dançando a mesma música japonesa todos os dias no ponto de ônibus; das trocas de carinho e de cultura; da explicação sobre o poder curativo do umeboshi, green tea e misô.

Uma vez, resolvemos cruzar a Irlanda em 20 dias. A proposta era conhecer a ilha, explorar os castelos antigos, andar pelos monastérios abandonados, percorrer as ruínas de mais de 5 mil anos, caminhar nas pedras de Giants Causeway, descobrir os mistérios celtas e contrastar com a guerra do homem moderno, entender o conflito católico-protestante, visitar museus, observar as muralhas de Derry, alegrar-nos com as cores de Galway, torcer para encontrar druidas ou por ter a sorte de um leprechaun. Sempre, sob qualquer circunstância, deliciar-nos com todo o tipo de batata e agradecer a boa mesa!

Alugamos um carro e lá fomos nós: eu, Tansan, Kazuoko e a bela francesa Laurence. Grosseiramente, o roteiro deveria cobrir as seguintes cidades: ao norte, Belfast, de lá para o noroeste, em Derry, depois do outro lado da ilha em Galway, ao sul para Cork e depois, finalmente, voltaríamos para Dublin. O resto do mapa seria feito nos brindes da jovem curiosidade e sua irmã mais nova surpresa.

Eis que surgiu outra vila interessante no meio do caminho. Era cedo ainda. Eu queria ir ao museu local e andar pelas ruas de pedra; Oka e Tansan estavam cansadas e queriam ficar no hotel. Combinamos o reencontro ao meio-dia. Laurence veio comigo.
Na volta, olho para frente do hotel e nada do carro. Laurence também desesperou. Subimos para ver se as meninas estavam no hotel. Nada: nem Oka, nem Tansan. Deixamos um aviso na recepção. “Precisamos registrar o roubo na polícia. Depois, devemos pegar o primeiro ônibus para Dublin, ir até a locadora de carros e descobrir o que precisa ser feito".
Corremos para a delegacia. Manchete: “Estudantes roubadas perdem tudo e trabalham para locadora para pagar dívida”. Ríamos e chorávamos ao descrever o carro para o oficial, com inglês quebrado. Mostramos toda a documentação, nossa permissão irlandesa e nossa carteira vazia. Registro feito. O policial nos deu uma carona até o hotel.
Ao chegar, o carro. “O carro!”. “Seu policial, eu juro que o carro não estava ali”, “Desapareceu por brincadeira de um duende”, “Ladrão irlandês tem culpa e remorso!”, “Aposto que não tinha para onde fugir: é uma ilha!”. O policial não falou nada, pelo menos nada que minha memória tenha se dado ao trabalho de registrar.

Que alívio! Que felicidade! Podemos seguir os planos de férias. Laurence e eu subimos para ver se as meninas já estavam no hotel. Queríamos contar nossas aventuras na delegacia, almoçar e rir um pouco. Ao entrar no quarto, Oka e Tansan choravam, ajoelhadas no chão. Cabeça baixa. “O que foi? Aconteceu alguma coisa?”.
Tansan foi responsável pelo sumiço do carro, um plano para dominar o calmo vilarejo de poucas ruas. Pois bem, cansada de descansar, resolveu dar uma voltinha rápida para relembrar como dirigir, testar o possante e quem sabe, ajudar na estrada. Oka foi de guia. Na volta, pegaram o recado na recepção: as outras moças estão na delegacia para registrar o roubo do automóvel.
4 comments:
aproveitando a boa fase entre os jornalistas talentosos, pergunto: quando estes diários de viagem vão virar livro? Mérito não falta...
Já pensou, fabinho, quem me dera? Valeu pela força! :)
Foi muito bom ver essas fotos de novo... imagino para você! Trazer o ontem fresquinho...e viver de novo.
alo alo som!;)
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