A cara da morte
Ah, dor dilacerante! Belle Diblanche estava muito deprimida, por causa do fim de um romance. Sofrimento sem fim. Trancada em casa, chorava seu lamento para Jacques, o papagaio indiano comprado em contrabando. Ele era o único que lhe dava ouvidos e, sem ter o que inventar, gastava o gogó imitando a angústia da dona. O pássaro estava mesmo é irritado de tanto chorar. Ora, bastava Belle trocar o discurso que seus dias voltariam a ser alegres! Jacques atravessou a última semana a chorar, gritar por Frederick, o nome do amado de Belle.
Em uma noite florida de maio, Belle, em desespero, resolveu se matar. Falou adeus para Jacques, que retornou um “Tchau, adeus, adeus!”, sem grandes emoções. Destrancou a gaiola e disse: “Agora, você está livre!”. Foi ao banheiro, abriu o espelhinho e tomou todos os comprimidos que encontrou na frente: aspirina, laxante, antiácido, cataflan, vitamina B, engoliu o creme anti-rugas e finalizou com os antidepressivos. Deitou em sua cama e esperou a morte chegar.
Sua visão ficou turva. De repente, Jacques entrou no quarto e disse: “Não posso deixá-la morrer, Belle! Por ordens superiores de Shiva, no entanto, preciso marcá-la. Farei com que você carregue o rosto da morte para o resto de seus dias. Foi um pedido seu”. Bicava a boca maldita de Belle, a bochecha triste, o nariz pequeno...
Belle acordou no hospital. Não queria se olhar no espelho, não podia. Jacques foi pego pela polícia e morto. “Pasmem: papagaio perigoso agora percluso!”, bradou o tira.
Depois de um mês, Belle voltou para casa. A dor sobre Frederick não existia mais. Agora, a cara da morte definia sua vida. Ela queria fugir do destino que Shiva lhe reservou. Em dois meses, descobriu uma equipe médica em Lyon, especialista em transplantes de órgãos. Na consulta, tirou a máscara que escondia seu rosto e disse: estou disposta a tudo, preciso apagar essa marca.
Plástica não resolveria. Os médicos franceses estavam na corrida para fazer o primeiro transplante de face do mundo. Chegava a oportunidade ideal. Nos dois meses seguintes, a equipe buscou um doador de rosto para fazer a operação.
Em agosto, encontraram a pessoa perfeita. Genie tinha a mesma idade de Belle, 38 anos, e tentara se enforcar. Salva pelos pais, foi para o hospital, mas estava em coma há quatro meses. Suas chances de sobreviver eram mínimas.
A família de Genie, em dor, aceitou ver o rosto da filha em outra mulher. Belle estava feliz com a nova chance. Mudou-se para Lyon e esperou o dia da cirurgia, quando a doadora tivesse morte cerebral. Em um mês, chegava o grande dia. Enquanto o rosto era tirado de Genie, na outra sala de cirurgia, Belle aguardava. O procedimento médico durou 15 horas.
Em dezembro, seis meses depois do acidente, Belle comemorava seu primeiro natal. Mas ela estava estranha, passava o tempo falando sozinha, como se não tivesse controle da própria boca.
- Eu quero peru!, disse Belle.
- Eu sou vegetariana, não gosto de peru e me recuso a abrir!, respondeu a boca de Genie.
- Gosta de papagaio? Olha que eu importo outro da Índia!, ameaçou.
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