Sunday, November 14, 2004


E será domingo novamente. Poderei ficar na cama até o suor de meu corpo me incomodar. Ouvirei um "bom dia" de meu marido, que ainda não terá escovado os dentes. French Kiss? "Mmmm", responderei olhando para a parede, desviando meu hálito para o vazio. "Bom dia". Levantarei, com coragem e preguiça. Minha cara de "café da manhã na padaria" será como um convite. "Vamos?".

Lá, encontrarei os balconistas da Orquídea Palace, que vendem os quitutes que o padeiro faz durante a madrugada. Diz a lenda que ele é um homem que acorda antes de todos. Não sabemos mais nada sobre ele. Só sei que o homem-massa existe porque o pãozinho está na cesta.

No caminho de casa, cruzarei com os taxistas que começam a gritar, normalmente, por volta das sete da manhã. Aquele ponto de táxi tem histórias. Sabemos de tudo, fofoca por fofoca, por meio deles: quais são as mulheres que flertam por uma corrida, qual o novo morador da rua, qual o último escândalo do prédio etc. Quando o assunto acaba, eles escutam música sertaneja. Na ocasião, saberei quem são os novos estudantes que moram no térreo e por que dona Pura sumiu.

Dona Pura é uma velhinha sem filhos e sem marido. Ela tem uma irmã e uma sobrinha. No prédio, todos dão um pouquinho de atenção a ela. "Sei, sei". "Mmmm". "Verdade". "Dor de novo?". "É o frio". "É o calor infernal". Outra noite, ela passou mal. O casal vizinho ligou para a irmã mais nova dela e, no dia seguinte, dona Pura sumiu. Vai saber.

Iremos à feira da Liberdade olhar o que há de novo. Como sempre, pouco. Barulho, sol, comida nas barraquinhas, pessoas caminhando sem olhar para frente, japoneses e mais japoneses. Sentaremos em um café da esquina para ler o jornal. Lá, discutiremos todas as notícias da semana: o secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, e sua mensagem de Natal aos soldados americanos; a morte de soldados americanos no Paquistão; as últimas explosões no Iraque; a campanha mundial anti-tabaco; os problemas econômicos palestinos; os colonos judeus que estão na Faixa de Gaza e no norte da Cisjordânia; o desemprego e a inflação no Brasil; o crime organizado no Rio de Janeiro; o circuito cultural de São Paulo; os filmes em cartaz. Falaremos mal de muita coisa. Além das notícias, criticarei um pouco o jornal, as edições das matérias, as apurações medíocres, os temas vazios, a abordagem tendenciosa etc. Depois, em silêncio, pediremos perdão por tanto julgamento.

Outro dia, em uma discussão sobre ética em jornalismo, tivemos de assumir que todo jornalista julga. Um grupo de estudantes entrou em crise. O verbo julgar carrega um peso bíblico. "Atire a primeira pedra".

Ainda na Liberdade, olharei o centro budista e lembrarei de alguns ensinamentos. Ao lado, tem uma igreja católica. Dizem que o próximo papa será negro. Será? E, para variar, encontraremos um hare krishna vendendo incenso. Quem sabe aquele grupo evangélico, da Galvão Bueno, também gritará suas verdades. Tantas religiões.

No caminho de casa, cruzaremos com aqueles moleques que bateram minha carteira outro dia. Tudo bem, de importante e valioso só perdi meu planejamento para 2004. Agora, sigo sem planos os meu destino.

Voltamos. Leremos pelo resto do dia. Um drink para relaxar sempre vai bem. Namoraremos um pouco, um muito e um pouco novamente. Prepararemos um jantar gostoso, cheio de invenção – ah, como é gostoso cozinhar boniteza, comer perfume, conversar ouvindo boa música.

Por fim, será segunda novamente.

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