Monday, September 13, 2004

Cara ou coroa?

"Este é aquele rosto que arrostou tantas loucuras
e que, no fim, foi arrostado por Bolingbroke?
Uma glória frágil brilha sobre este rosto,
tão frágil quanto a glória do espelho"
Ricardo II
W. Shakespere

Nesta fala, Ricardo II resume a troca de máscaras entre ele e Henrique de Bolingbroke. Este, na primeira metada da peça, agia sobre a faceta do justo - aquele que só queria para si o que lhe era de direito. Na cena da deposição, Henrique assume a máscara do hipócrita, veste-se do poder e do orgulho real.
No sentido inverso, na angústia do já não ser, Ricardo II encara sua própria queda, mesmo que em ato de teatralidade. "...Ricardo __...". A dor da perda não suporta hipocrisia. Veste-se de persona e chora humanidade. O sofrimento pede por piedade, por piores que sejam os atores. Mesmo que Ricardo II tenha figurado como egocêntrico e cego no início da trama, seus versos não gritavam o falso. Eram vaidosamente ingênuos, fracos. Entretanto, a máscara real foi a que lhe dera vida. Quando se vê sem ela, seu rosto revela o outro que ele jamais pôde ver. Ricardo já não é rei e provavelmente tornara-se o milésimo de mesmo nome. Só a morte seria capaz de acalmar tamanho golpe de lucidez.

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