Tuesday, June 15, 2004

Um dia como outro qualquer

São Paulo, terça-feira, 15 de junho de 2004. Avenida Paulista, boca da Estação Brigadeiro do Metrô. Uma menina distribui panfletos sobre uma promoção de roupas numa loja da região. Mais à frente, uma rede americana de sanduíches coloca um cartaz colorido e cheio de fotos publicitárias, para anunciar suas especialidades. Passa-se por um, dois, dezenas de jornaleiros. Suas bancas estão recheadas de revistas, jornais, livros de bolso etc. Vê-se uma livraria que, já na calçada, expõe alguns lançamentos, almanaques e dicionários. Desvia-se o olhar, mirando o ritmo acelerado das pessoas e carros.

O trânsito da manhã já é capaz de enlouquecer alguns motoristas. No ponto de ônibus, uma fila de passageiros aguarda pela condução. Alguém faz sinal. O ônibus, com o letreiro “Cidade Universitária”, pára.
— Para onde vai esse ônibus? - pergunta uma pessoa.
— Cidade universitária – diz o motorista.

Outdoors estão espalhados por toda a extensão da avenida. Passa-se por uma agência bancária. Diante do caixa eletrônico, pessoas ordenadas em filas pedem a ajuda ao atendente para fazer transações de depósito, saque em dinheiro ou pagamento de contas.

O pernambucano Luiz Bertoso da Silva, mensageiro do escritório central da escola Berlitz de idiomas, precisa levar um malote ao banco. “O pessoal do escritório já deixa tudo pronto. Eu só preciso entregar o pacote no caixa e guardar os recibos”, diz.

O dia passa. Executivos nos escritórios respondem às correspondências eletrônicas, acumuladas na caixa postal de um software gerenciador de e-mail. Lêem os jornais, entram e saem de reuniões. Secretárias fazem ligações para seus chefes e procuram auxiliá-los nas tarefas pertinentes à função. As áreas de recursos humanos abrem processos seletivos para novas vagas e recebem currículos, que não param de chegar.

Enquanto isso, a paraibana Severina Malaquias, ainda em processo de alfabetização, nem pensa em enviar um currículo para uma empresa. Como? Sem muitas alternativas, prefere não largar o serviço de empregada doméstica, em uma casa de família. Sua patroa, uma oftalmologista, já está no consultório atendendo a pacientes com problemas de visão. Pessoas que não conseguem enxergar bem, estão com dificuldades para leitura, entre outras.

O zelador Josuel Mendes do Nascimento, lentamente, lê o nome do destinatário escrito em cada envelope entregue pelo correio. Separa as correspondências dos moradores, empilhando as cartas por ordem do número dos apartamentos. Depois, organiza as tarefas que serão realizadas no edifício.

O tempo corre. Sinvaldo da Silva Falcão já está no batente desde cedo. Hoje é dia de faxina. Amanhã, sabe Deus! Ele é contratado por um condomínio na avenida Consolação para justamente fazer o que aparecer pela frente. O cargo tem até nome: folguista. Um dia ele cobre a folga do porteiro, outro do faxineiro e assim vai. Produtos de limpeza trazem explicações no verso, sobre diluição e modo de uso. Em respeito às formalidades legais, outras explicações ao consumidor estão impressas na embalagem. Inflamável.Nos hospitais públicos, o atendimento de emergência acumula casos. Pessoas preenchem formulários, dão informações pessoais aos atendentes. Correria.

Começa a anoitecer. Nos escritórios, as pessoas já organizam as tarefas do dia seguinte. Últimas providências. As calçadas recebem, pouco a pouco, um amontoado de gente. Um camelô aproveita a circulação de pessoas e vende CDs e DVDs piratas: “Olha o genérico! Olha o genérico!”. Meninos no farol vendem balas e fazem malabarismo para ganhar um trocado. Engarrafados. No Metrô, fila para comprar bilhetes e empurra-empurra para entrar no vagão. Enlatados.

Enquanto isso, Severina, Luiz, Josuel e Sinvaldo caminham em direção à ONG Ação Educativa, instituição especializada em educação. Encontram-se para o curso supletivo destinado a jovens e adultos, em uma turma que reúne 25 outros alunos. Eles querem aprender a ler, escrever e fazer cálculos básicos. Na cidade, a vida dos “sem letras” é difícil de entender. Sem palavras.

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