Wednesday, July 25, 2007

Macrocosmo

Water lilies - Monet
O chinês segurou meu pé com as duas mãos. Não disse uma palavra; prudência desnecessária. Aquele pé parecia conter todas as respostas do mundo. Resumia-me. Introduziu a primeira agulha.

Eu abandonei as defesas do corpo e meus cílios cerraram-se no instante infinito. Um tempo livre de bagagens ou inférteis suspiros de pressa: até o desconhecido parecia profundamente íntimo.

Danço, danço, danço o ballet moderno do meu interior brasileiro. Se meus dedos tivessem lábios, selariam beijos por toda a terra para evitar a palavra. Encontros de reconhecimento e liberação. O campo é azul e verde demais.

Ai meu pé! Flechas. “Qual de nós é o mais adequado para a festa?” – perguntou um índio bêbado que cruzou meu caminho. Pegou uma maçã e a dividiu ao meio. “Qual das partes tem mais sabor de maçã?”. As duas são iguais, ora veja. Mordi a da esquerda. “Conte-me, ainda tem gosto de maçã inteira?” A fruta esfarelada se misturava com minha saliva. Um novo conjunto particular. Sentia o perfume doce e o gosto de lágrimas. “Desculpe-me, seu índio, eu não saberia responder”.

O chinês tossiu. Era o fim da consulta. Vi um pouco do mundo e ele perfez meu pé. Tem razão e ainda somos todos inteiros.

3 comments:

Som said...

incrível as suas reviravoltas...tamo

Anonymous said...

uau...nunca mais verei a acupuntura com os mesmos olhos. E que trecho foi esse "Se meus dedos tivessem lábios, selariam beijos por toda a terra para evitar a palavra"? Belíssimo. Tô feliz com as atualizações mais freqüentes, Patricia. Beijão pra ti

Lucia Freitas said...

Amureca que escreve com as sinapses, com todos os gostos, cheiros, sons e cores. Que dilícia!
Bom te ler. Quero mais, pode ser?
bjs