Internet Wireless
Sábado, 8h30AM, nós ainda na cama, com cara de cinco minutos. Toca o celular de Laurent. Tonny, a técnica da empresa de cabo Comcast, estava perdida no bairro. Depois de um mês a compartilhar o sinal de Internet do vizinho –sem que ele soubesse-, chegaria a nossa conexão oficial. Acordei. Deu tempo para gente escovar os dentes e esperar o carro da Comcast, da janela.
Aparece na curva um caminhão branco, que tocava música de sorvete. Era Tonny. Ela é uma ex-funcionária da empresa Boeing que agora zanza daqui, zanza para lá. Nos anos 80, a fabricante de avião cortou muita gente e deixou Seattle num mar de desemprego. Depois veio Bill Gates e resolveu o problema: a empresa Microsoft trouxe prosperidade à terra da chuva. Em Belleville, um bairro ao norte da cidade, programadores indianos, diretamente de Bangalore, marcam a era da globalização. Aqui, as pimentas e perfumes são de cardamon, canela, mostardas, cominho, noz moscada, cravo... Os vizinhos latinos não chegam nem a esquentar com seus hot jalapeños e sweet chipotles. Ficam ilegais na região sul e sudeste, semi-escravos. Trabalham no setor primário e gritam por inclusão.
Abrimos a porta. Entra a americana Tonny, uma loira, acima do peso, com grave dificuldade para respirar. Talvez seja claustrofobia: aquele elevador velho do prédio pode dar uma sensação asfixiante. Usava botas, calça jeans e uma camiseta branca, com a logomarca da empresa. Estava nervosa. Tonny está na Comcast há quatro semanas. Seu trabalho ainda não é rotina: uma mistura de medo, no início do atendimento, e excitação, quando ela finaliza cada caso.
A sua dificuldade em respirar começava a me causar certo desconforto. Parecia sofrer de asma. Se eu tivesse uma das bombinhas de minha mãe... Bem, ofereci café. Ela disse que não tomava mais de duas xícaras de café por dia, mas agradeceu. Eu ofereci um suco. Ela disse que tinha acabado de tomar uma Soda Pop. Sentei no sofá com meu lap, ainda conectada pelo vizinho, e fui ler o jornal. Ela respirava fundo, ligava e desligava o outro computador, concentrava-se na solução do problema.
No jornal Seattle Times, li sobre o atentado na Federação Judaica, há dez quadras daqui. Um muçulmano entrou armado no prédio e abriu fogo. Matou uma mulher e feriu outros 5. Ainda bem que não fui trabalhar ontem, teria passado na frente do prédio.
Ontem, conversei com meu amigo libanês que mora em Londres, Ghassan Saba. Ele é dono de uma fábrica de perfumes, óleos e outros “produtos caros para pessoas ricas (como ele mesmo diz)”. Inevitável não falar sobre o Líbano. O choque. A estupidez de Israel, essa guerra armada. Mais de 400 civis mortos, a infra-estrutura do país destruída, um atentado à humanidade. Os Estados Unidos, a consentir e apoiar atrocidade, enviam a Condessa do Arroz para negociar com o Líbano. Como assim negociar com o Líbano? Vai negociar com Israel! Mais, o grupo terrorista Hizbollah, que não é libanês e sim palestino, só existe porque um monte de árabe ficou sem terra em 1948, com a criação do estado judeu. Como assim, negociar com o Líbano? A família do meu pai foi para o Brasil porque o Líbano virou um caos pós-48. Quer ensinar negociação para fenícios, Condessa. Então, primeiro, vamos à história.
Fechei o micro. Um atentado aqui do lado. Tonny estava aflita com outra coisa. Não conseguia configurar o sistema. Estava literalmente deitada no nosso chão, com a barriga para baixo e o telefone celular na mão. Conversava com outro técnico e respirava mal. Laurent também estava angustiado. Eu não sabia ajudar. Ela perguntou nossa nacionalidade. Eu disse que era brasileira e Laurent disse que era americano. Nunca ninguém acredita que ele é americano. "Morei muitos anos fora e minha mãe é francesa. Talvez seja isso". Ela entendeu. No Brasil, Laurent também não é brasileiro. Na França, também não é francês.
Laurent resolveu ajudá-la. A mulher estava a beira de um ataque. Ele seguiu o passo a passo da configuração, com o tutorial no CD-ROM que ela trouxe. Caso resolvido. Tonny agradeceu e saiu com pressa. O vizinho, que não nunca soube da nossa existência, vai comemorar a velocidade de sua conexão.
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