Dasluzetes
Acordou decidida. Queria mudar de vida. Foi à delegacia de polícia, em Moema. Entrou com um pacote e mostrou todas as notas frias das lojas da família.
- Eu mesma administro tudo, doutor! Eu faço o caixa dois. Pronto, todas as provas na sua mesa. E mais...
Pegou um papel em sua bolsa Louis Vuitton e leu, pausadamente.
- Sei tudo sobre... calma...."for-ma-ção de qua-dri-lha, so-ne-ga-ção fis-cal, fal-si-fi-ca-ção de do-cu-men-to e con-tra-ban-do"
- Mas por que a senhora está fazendo isso?
- Senhora não, seu delegado! Pode me chamar de Dindi, um apelido carinhoso que meu marido inventou.
- Tem uma canção com esse nome, acho.
- Ah, que luxo! Preciso que uma banda toque no dia da minha prisão! De quem é a música, doutor?
- Não sei, coisa antiga...
- Antiga? Sou moderna tradicionalista! Gosto de Zezé de Camargo. Que filme maravilhoso o deles. Tão sensível, tão poético...
- Dona Dindi, vamos direto ao assunto.
- Sou amiga do doutor Decaro da PF, posso pedir para ele confirmar tudo o que digo, se isso ajudar – diz em voz baixa.
- Ah, o doutor Decaro?! – pergunta em voz baixa.
- Sim, sim, ele é um grande amigo. Não me negaria um favor.
- O que a senh... você quer, exatamente?
- Quero ser presa, doutor. Na mesma cela da Tranchesi. Eu renovaria minha agenda, estaria em todos os jornais, saberia das últimas novidades, teria muita coca, enfim, vida nova! É verdade essa história de novo campus da DaslUSP na cadeia, com aulas quase particulares dos melhores professores da universidade?
- Ouvi dizer que sim.
- Será que precisaremos ler muito, doutor? Ouvi dizer que as aulas são mais digestivas.
- Eles servem Porto nas aulas?
- Classe com classe, doutor. Outro nível.
- Nada de bandejão, entendo.
- Mais que isso: nada de vestibular, de molecada com camiseta do Che, de síndrome de pobreza.
- Quanto ao sistema de cotas, a senhora já ouviu falar? Bem, para ser presa, com direito a escândalo, na mesma cela da Tranchesi, vamos ter de conversar melhor.
- Como assim, doutor?
1 comment:
Muito bom! :-)
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