Wednesday, December 12, 2001

Violet

Resolvi estudar teatro aos 14 anos. Queria aprender a escrever peças e matriculei-me num curso para atores. Essa história fazia um certo sentido para mim. Sem querer, coloquei-me timidamente entre jovens ex-tre-ma-men-te ex-tro-ver-ti-dos.

Os módulos do curso duravam um semestre e o diploma de ATRIZZZZ só seria entregue em três anos. No final de cada termo, o ritual da passagem: o grupo precisava apresentar uma peça teatral.

No primeiro semestre, sofri um bocado. Aula de interpretação com a diretora Solange Dias. Ela provavelmente não se lembra de mim. Lembro-me dela, pois eu “adorhhava imitar sua língua prhhesa” no caminho de casa, sozinha, resmungando contra minha timidez.

O tempo urgia. Logo no primeiro mês, fazia-se necessário escolher a peça e distribuir os papéis. Mas como? “Patrísssia, você será Dórhis, a pedrha”. Exigiu-me um caderninho de construção do personagem. Eu, meninota ainda, fiz e refiz os diários com a história dessa pedra, da mãe dessa pedra, do filho dessa pedra, da dor dessa pedra. Foi um trabalho interessante, diria.

Noite da apresentação. Na platéia, mãe, pai, irmão, vizinho, avó etc. E a peça passava e nada de Patrícia. De repente, minha cena. Entro carregada por meus amigos e fico de pedra, lá no fundinho.

- Filha, sua interpretação estava ótima. Pena que você não falava.

No dia seguinte, a avaliação. A professora pega os caderninhos de construção de personagem. Lê a todos, atentamente. Passei com 10 e um comentário: Patrícia é quieta, mas muito sensível.

Segundo termo, aulas com Marcio Trachinatto. Eu preciso aprender a falar de maneira ex-tre-ma-men-te ex-tro-ver-ti-da no primeiro mês para pegar algum papel interessante. Quanta responsabilidade.

O tempo urgia. Logo, fazia-se novamente necessário escolher a peça e distribuir os papéis. Mas como? “Patrícia, você fará a mãe de Pedro, que deve comunicar a ele que o pai foi preso. Trabalhe bastante”. E lá fui eu, com meu caderninho de construção de personagem. O que era ser uma mãe na época da ditadura? O que era ser costureira? O que era contar para seu filho que o pai fora preso? O que era ser forte?

Noite da apresentação. Na platéia, mãe, pai, irmão, vizinho, avó etc. E a peça passava e nada de Patrícia. De repente, minha cena. Entro em cena costurando um tecido qualquer. E falo minha única fala, respirando calmamente, sentindo todas as dores que eu pude estudar em seis meses “: Filho, seu pai... (respiração, respiração, respiração) foi pego pelos militares”.

- Filha, sua interpretação estava ótima.
- Obrigada, mãe.

Avaliação. O professor pega os caderninhos de construção de personagem. Lê a todos, atentamente. Passei com 10 e o mesmo comentário.

Terceiro termo. Nos corredores, tudo exigia um grito que minha voz não gritava, uma pose que meu corpo não queria, uma roupa que meu corpo não vestia. Enfim, só gostava das aulas de Oswaldo Boaretto, diretor quieto que exigia concentração. Foi com ele que comecei a descobrir que os tímidos também amam.

Quarto termo do Teatro Escola Célia Helena. Aulas de CLOWN, com Beth Dorgam. Ah, que diversão. Eis como Violet apareceu.

- Não faremos uma peça. Vocês escreverão suas cenas com os “clowns” que vocês também construirão.

E, aos poucos, Violet foi surgindo. Irônica, divertida, engraçada. Escrevi uma cena, duas. E, sem querer, escrevi quase todas as cenas da peça e participei de quase todas elas. Virei estrela, egocêntrica, artista e ex-tre-ma-men-te qualquer coisa.

Noite da apresentação. Estava lá minha mãe e meu irmão Luciano. Os outros parentes não puderam ir dessa vez. Uma pena! Mas o teatro estava cheio e Violet entrou em cena com um charuto, uma garrafa de pinga, brincando com o público.

Cai o pano.

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